segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Artigo: HISTÓRIA DA ESCOLA NO BRASIL E SUA FUNÇÃO SOCIAL.

HISTÓRIA DA ESCOLA NO BRASIL E SUA FUNÇÃO SOCIAL

Rodrigo BASTOS[1]


RESUMO:     Este trabalho tem como objetivo fazer um levantamento histórico, em linha cronológica, das fases que escola e o sistema educacional do Brasil passaram,analisando a função da instituição escolar e do ensino (público, religioso ou privado) na história do Brasil, desde o período da Colonização até a Ditadura de 1964. Os tópicos que serão abordados no artigo são:Educação Jesuítica nos séculos XVI a XVIII; Reformas Pombalista e Joanina, séculos XVIII e XIX; A educação na Proclamação da República; O Escolanovismo; A Constituição de 1934; A Constituição de 1937; Ensino profissionalizante e formação do SENAI e SENAC; A República Populista e A ditadura de 1964 e o fortalecimento da educação tecnicista.


PALAVRAS-CHAVE: História da escola; educação no Brasil; ensino.


1.    INTRODUÇÃO

O presente trabalho de traz como tema “A Escola no Brasil”, cujo objetivo é fazer uma análise da educação, desde a colonização até o momento atual, a fim de compreender os trajetos seguidos pela escola brasileira e as variações de objetivos propostos para a educação, com o intuito de investigar a questão central: “O modelo educacional empregado nas escolas pode ser o culpado pelas desigualdades sociais brasileiras?”
Objetivo no decorrer do trabalho: Compreender a trajetória histórica da educação no Brasil e como as reformas e mudanças políticas interferiram na formação da sociedade que temos na contemporaneidade; Analisar as variações de objetivos propostos para a educação no decorrer dos anos, e como esses discursos se solidificaram para o quadro educacional atual.
Além disso, tomarei em consideração o levantamento de ideias sobre a formação e objetivos das instituições escolares com relação a educação, quem eram os agentes criadores e quais os seus objetivos com essa instauração; desde quando a instituição escolar brasileira começou a atendera todos os cidadãos, observando se existiram esforços por uma escola democrática, ou ensino de qualidade; e como o sistema educacional brasileiro é adotado entre as classes sociais.


2.    A EDUCAÇÃO BRASILEIRA DA COLONIZAÇÃO ATÉ O FIM DA DITADURA MILITAR

2.1 . A Educação Jesuítica nos séculos XVI a XVIII

Pensando sobre a escola brasileira, desde seus primórdios até a contemporaneidade e compreendendo a trajetória da escola no Brasil, devemos analisar inicialmente que o país originou-se como Colônia de Portugal, e que por sua vez tinha a Igreja Católica como agente de extrema importância e base de influência para toda a hierarquia monárquica.
O Concílio de Trento (1545-1563)[2] e a Companhia de Jesus[3], órgãos da Igreja Católica, tinha como objetivo manter o Novo Mundo longe dos preceitos religiosos protestantes, que eram uma forte ameaça a sua hegemonia intelectual e cultural da época. Desta forma, "A sociedade portuguesa tinha uma estrutura rígida, centrada na hierarquia, fundada na religião. Hierarquia e religião eram princípios inadiáveis em qualquer situação." (LOPES, 2011, p. 44).
            Junto do primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, chega à Terra de Vera Cruz[4]o sacerdote jesuíta Manuel de Nóbrega, que embasado nos anseios do Concílio de Trento, de propagação e doutrinamento da fé cristã, funda em poucos dias, a primeira escola “de ler e escrever” do Brasil:


[...] os jesuítas promoveram maciçamente a catequese dos índios, a educação dos filhos dos colonos, a formação de novos sacerdotes e da elite intelectual, além do controle da fé e da moral dos habitantes da nova terra. (ARANHA, 2006a, p. 140).


As diretrizes para a colonização ditadas pela coroa portuguesa citavam a conversão dos nativos para a fé católica, catequizando-os e civilizando-os, pois segundo eles os índios eram primitivos e só a educação (católica) poderia transformá-los e civilizá-los. Porém, o objetivo dos colonizadores não se restringia apenas à propagação da fé, mas também, à questão do lucro com as novas terras, assumia seu papel de destaque, principalmente para a burguesia em ascensão no país. Segundo Ribeiro (2011, p. 8-9):


Os comerciantes portugueses (burguesia mercantil), na qualidade de participantes do poder político, representado pela centralização monárquica conseguida já no século XII, desempenharam papel pioneiro na empresa de expansão naval. [...] o objetivo dos colonizadores era o lucro, e a função da população colonial era propiciar esse lucro as camada dominantes metropolitanas.


Então, podemos entender que a educação jesuítica tinha por objetivo principal aculturar os indígenas aos moldes religiosos e culturais europeus, fortalecendo seu objetivo de propagar o cristianismo e combater ao protestantismo[5], porém tal objetivo chocava-se, muitas vezes, com os interesses tanto da metrópole, quanto dos colonos, que viam o índio como mão de obra simples e barata.


2.2 . Reformas Pombalista e Joanina nos séculos XVIII e XIX

Aranha (2006a) diz que foi apenas com Sebastião de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal, em 1759, que os jesuítas foram depostos da função hegemônica de educar e doutrinar na colônia, dando espaço para um novo modelo educacional que focava-se quase que exclusivamente na formação básica das elites brasileiras, seguindo o “sistema de aulas régias e disciplinas isoladas, como ocorrera na metrópole, oferecendo aulas de língua moderna, desenho, aritmética, geometria e ciências naturais” (Ibidem, 2006a, p.191), e em seguida teriam de completar os estudos no exterior, em especial nas universidades da metrópole portuguesa.
Segundo Xavier; Ribeiro; Noronha (1994), assim que os jesuítas foram expulsos de todo o império pelo marquês de Pombal, os portugueses estavam enfraquecidos e perdendo o poder, principalmente devido aos conflitos com a Espanha sobre as fronteiras das Sete Missões, na região da Prata. Além disso, as animosidades contra os jesuítas e seu expansionismo nas colônias só aumentava e, dessa forma, um novo sistema de ensino foi projetado com objetivo de reerguer a Metrópole.Enquanto isso no Brasil, por treze anos não houve nenhuma reforma cultural e educacional.
As reformas portuguesas trouxeram muitos problemas e irritações para a colônia brasileira, principalmente com relação ao aumento de impostos, que desagradou muito os colonos. Como justificativa para os impostos abusivos foram implantadas as Aulas Régias, exclusivas para os filhos das elites e preparatórias para ensinos posteriores, que deveriam ser feitos na Europa, em especial em faculdades portuguesas. Segundo Xavier; Ribeiro; Noronha (1994, p. 52), essas aulas:


Eram aulas avulsas, sustentadas por um novo imposto colonial, o “subsídio literário”, paradoxalmente criado treze anos após o decreto que a instituíra (1772) [...] Contudo, sem sistematização, sem pessoal docente em quantidade e de qualidade suficiente, já que eram extremamente parcos os proventos provenientes do novo imposto cultural é possível concluir que a instrução do país foi drasticamente limitada.


Como destacado por Xavier; Ribeiro; Noronha (1994), a chegada de D. João e da família real em solo brasileiro fez com que a situação do país mudasse em diversos segmentos, principalmente nas questões econômicas e culturais. A abertura dos portos trouxe maior independência econômica ao país com relação ao mercado exterior, e a criação de centros culturais, como a Academia Imperial de Belas Artes e o Museu Nacional, alavancou a produção cultural no país, aos moldes europeus. Mas só em 1808, com a criação da Academia Real da Marinha e, em 1810, com a Academia Real Militar, que as primeiras medidas educacionais foram realizadas.


As primeiras medidas a respeito da educação tomadas por D. João VI assim que chegou ao Brasil, em 1808, foram a criação de escolas de nível superior para atender as necessidades do momento, ou seja, formar oficiais do exército e da marinha (para a defesa da colônia), engenheiros militares, médicos, e a abertura de cursos especiais de caráter pragmático (ARANHA, 2006a, p. 221).


O objetivo dos cursos de caráter pragmático era formar soldados e médicos para cuidar da família real. Cursos que tinham como objetivo a formação técnica, voltada para a racionalidade e o profissionalismo, enfim, algo que só atendia aos interesses da elite local, já que a formação de oficiais do exército e da marinha, de engenheiros e médicos atendiam a um seleto grupo de pessoas, totalmente voltado à racionalidade científica, baseado em fatos e de raiz Iluminista[6].
Logo após a Independência do Brasil, em 1822, D. Pedro I criou escolas que atendessem às necessidades acadêmicas elitistas da época, que continham três níveis de ensino: o elementar, o secundário e o superior. Segundo Xavier; Ribeiro; Noronha (1994), a constituição de 1823 sugeria o princípio de liberdade de ensino sem restrições e a intenção de instrução primária gratuita para todos os cidadãos, ou seja, o estado fornecia educação gratuita no ensino primário, mas, somente em 1824, a constituição foi outorgada com a Lei decretada em 15 de outubro de 1827, que determinava criações de Escolas de Primeiras Letras, e mesmo assim não atendiam as camadas populares satisfatoriamente.
Na Reforma de 1834, com o Ato adicional Diogo de Feijó, de acordo com Xavier; Ribeiro; Noronha (1994), o ensino primário passa a ser de responsabilidade das províncias, o que resultou em um ensino quase extinto, pois a população não estava inclusa no processo de alfabetização e isso fazia com que o analfabetismo da época crescesse.
Em 1827 foi criado o Colégio D. Pedro II, com ensino elementar e secundário. Por ser de responsabilidade da coroa, esse colégio foi visto como padrão de ensino de qualidade e, desta forma, as outras escolas precisavam se adequar as suas práticas.

Essa espécie de interpretação confirma claramente a hierarquia de prioridades educacionais nacionais. No entanto, parecia à época justificar-se pela tendência, em voga nas políticas educacionais dos países europeus mais desenvolvidos, de descentralizar a administração dos níveis de ensino primário e secundário, para adequá-los melhor às circunstâncias locais. (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994 p.73)

As autoras apontam essa padronização como geradora de um processo de desigualdade no ensino, visto que muitas províncias não tinham condições econômicas e mão de obra qualificada para fazer com que suas escolas seguissem o modelo elitista de ensino empregado pelo Colégio D. Pedro II e, desta forma, as camadas mais nobres eram privilegiadas.
Em 1879, com a reforma de Leôncio de Carvalho, foi pensado em uma proposta de lei que defendia a liberdade de ensino para as províncias, com o objetivo de melhorar suas práticas e métodos de ensino, e também facilitar a criação e surgimento de escolas a partir da iniciativa privada. Leôncio também queria superar o ensino humanista da antiguidade clássica, implantando um ensino mais positivista.
A corrente positivista segundo Aranha (2006a) surgiu no século XIX, cujo principal idealizador foi Augusto Comte, tendo como base de ideias o conhecimento científico, onde ele considerava que este era “o único capaz de descobrir as leis do universo” (ARANHA, 2006a, p. 256)
Da chegada da família real até os fins das dinastias monárquicas no Brasil, a questão da educação percorreu ideais elitistas e conservadores, mas os apelos liberais vindos de revoluções intelectuais e populares da Europa, em especial da Revolução Francesa, como o positivismo, mostravam-se presentes em todo pensamento do período, em especial na parte educacional que buscava promover um estado de direito e igualdade para todos. Assim, a partir da proclamação da República, a ideia de educação escolarizada aos moldes liberais afloraram no país, seguindo um percurso lento e gradual de formação.


3.    A EDUCAÇÃO COM A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Com a Proclamação da República em 1898, a ideia de se propor uma educação escolarizada a todos era um desafio. Segundo Trindade e Trindade (2005), o que se encontrava era ainda uma escola dualista e tradicional, visando à continuidade aos estudos à elite e o ensino elementar e profissional ao restante do povo.
Por consequência de revoltas populares no período causadas, segundo Patto (1999), por um maior contingente de greves e revoltas isoladas foram intensas devido à brutalidade repressiva e à orientação professada pelos governantes, apoiada por industriais e fazendeiros, a educação foi diretamente atingida, já que seria ela uma forma de controlar e educar as pessoas que estavam agindo diretamente nas ruas, ou seja, esse movimento de “‘entusiasmo pela educação’ depositava na desanalfabetização a esperança de ‘redenção social’ do brasileiro.” (XAVIER, RIBEIRO; NORONHA, 1994, p.104).
Para Trindade e Trindade (2005), a Reforma Benjamin Constant (1890-1892), contribuiu para a liberdade, laicidade e gratuidade do ensino, defendendo a separação do Estado e da Igreja. Nessa proposta, segundo o autor, a organização da escola primária apresentava-se em duas categorias:


A escola primária organizou-se em duas categorias: a de primeiro grau para crianças de 7 a 13 anos e de segundo grau para as de 13 a 15 anos. O secundário passou a ter sete anos de duração. Uma das intenções da reforma era possibilitar que todos os níveis de ensino se ocupassem da formação, e não apenas de preparação dos alunos. A outra era estruturar a formação científica substituindo a tradição humanista clássica que vigorava no país, há mais de 300 anos. Nos moldes positivistas, foram introduzidas matemática, física, astronomia, biologia, química e sociologia. Nada disso seefetivou e o que ocorreu foi apenas um acréscimo das matérias científicas às tradicionais sem seconseguir implantar um ensino secundário adequado (TRINDADE e TRINDADE, 2005, p.4).


Os interesses da educação no período republicano brasileiro ainda estavam atrelados à elite, que detinha o poder. Essa renovação intelectual das elites culturais e políticas, como mencionado acima não ocorreu, pois “o comando político, econômico e cultural se conservou nas mãos da classe que tinha recebido aquela educação literária e humanística, originária da Colônia e que tinha atravessado o império sem ‘modificações essenciais’”. (ROMANELLI, 2013, p.44).
Nos primeiros anos da República, iniciou-se a implantação de escolas primárias estaduais. Segundo Trindade e Trindade (2005), em São Paulo, muitas escolas primárias foram abertas, porém não havia escolas que formassem professores para o ensino secundário. Em outros estados, não se tinha o desenvolvimento de um sistema em educação, principalmente para os mais pobres.
            Segundo Aranha (2006a) os ideias positivistas da primeira República, no que se refere à educação, obtiveram resultados passageiros, e alguns nem sequer foram implantados. Além das concepções positivistas, experiências socialistas e anarquistas ainda entraram em cena na Primeira República.
Em 1922, organizou-se o Partido Comunista do Brasil que, segundo Xavier; Ribeiro; Noronha (1994, p.139), trazia alguns pontos importantes com relação à educação em seu plano de política, destacando-se a:


1.         Ampliação da escola pública gratuita e leiga;
2.         Ajuda econômicas as crianças pobres em idade escolar através do fornecimento de material escolar, roupa, comida e transporte;
3.         Multiplicação das escolas profissionais para ambos os sexos como continuação natural e necessária das escolas primárias;
4.         Melhoria das condições de vida do professor;
5.         Subvenção às bibliotecas populares e operárias.


Pode-se concluir então na Primeira República a educação, embora notórias algumas reformas nesse campo, permaneceu dedicada para poucos, para a elite brasileira. A luta por uma educação laica e gratuita, como defendia a constituição de 1891, não se efetivou integralmente, já que a Igreja ainda lutava por um ensino religioso e o ingresso e permanência em escolas estaduais ainda era desigual, estabelecido pelo dualismo da educação para a elite e educação para o povo.


3.1.        Escolanovismo

A década de 1930, segundo Aranha (2006a), marcou um salto em relação a discussões pedagógicas. Interesses conservadores, representados pelos católicos defensores da pedagogia tradicional opunham-se aos ideais liberais democráticos, “simpatizantes da Escola Nova, [...] procuravam reagir ao individualismo e ao academicismo da educação tradicional propondo renovação das técnicas e a exigência da escola única (não dualista), obrigatória e gratuita” (Ibidem, 2006a, p.302).
De acordo com autora, na IV Conferência Nacional de Educação, no final de 1931, foi anunciada a publicação do manifesto para 1932, contendo diretrizes para a educação brasileira. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo eassinado por 26 educadores, “defendia a educação obrigatória, pública, gratuita e leiga como dever do Estado, a ser implementada em programa de âmbito nacional” (Ibidem, 2006a, p.304). Ainda, segundo a autora, buscava-se a superação da discriminação e do caráter não democrático do ensino brasileiro, enfatizado pela divisão da escola profissional para os pobres e escola acadêmica para a elite, que era um dos objetivos fundamentais desse Manifesto.
Para Romanelli (2013, p. 153-154), o Manifesto da Educação Nova representava “a reivindicação de mudanças totais e profundas na estrutura do ensino brasileiro, em consonância com as novas necessidades do desenvolvimento da época. Representa ao mesmo tempo a tomada de consciência, por parte de um grupo de educadores, da necessidade de se adequar a educação ao tipo de sociedade e a forma assumida pelo desenvolvimento brasileiro da época. É a tomada de consciência da defasagem já então existente entre educação e desenvolvimento e o comprometimento do grupo numa luta pela redução dessa defasagem”.
 Segundo Aranha (2006a), alguns propósitos do manifesto não foram aceitos na Constituição que viria, a de 1934, sendo eles: a escola secundária única, com uma base cultural comum para todos, em três anos e depois dessa fase os alunos seguiriam com a formação acadêmica ou profissional; outro foi referente à implantação do ensino religioso facultativo, já que os escolanovistas defendiam uma educação laica, sem caráter religioso.


3.2.        A constituição de 1934

De acordo com Ghiraldelli (2009), a Associação Brasileira de Educação (ABE)[7], na Conferência Nacional de Educação (1932), elaborou uma proposta de anteprojeto que visava atribuir responsabilidades relativas à educação para a União, os Estados e municípios. Esse plano foi para aprovação na comissão do Governo Provisório. O documento defendia uma educação democrática, humana, geral gratuita e leiga.
Todas as propostas apresentadas pelo Manifesto de 1932 não foram reproduzidas no documento. Para o autor, entre elas estão: o ideal de escola única, que não foi mencionado, mas o projeto previa a existência de escolas comuns e especiais, não definindo tais diferenças e, ao ensino particular, o documento da ABE (Associação Brasileira de Educação) estabeleceu que este devia ser organizado e funcionar de acordo com as determinações da União e dos Estados.
Segundo Ghiraldelli (2009), a comissão do Governo Provisório, ao avaliar o projeto, decidiu optar por um documento menos detalhado. Além disso, o governo não fixou porcentagens de impostos cabíveis à educação, e retirou do Estado a responsabilidade de crescimento da rede pública de ensino.
Diante da situação, a ABE (Associação Brasileira de Educação) refez suas propostas em um novo documento, que visava o que estava em seu projeto inicial adicionando “maior detalhamento dos parágrafos fixadores das porcentagens de impostos que a União, os Estados e os Municípios deveriam destinar à educação, além de estender a obrigatoriedade (e a gratuidade) à educação secundária” (Ibidem, 2009, p.75).
A maior parte das propostas da ABE (Associação Brasileira de Educação) foram alcançadas através da Emenda 1.845, que fixada na constituição deveria garantir “autonomia de direção nacional de ensino”.


3.3.        Constituição de 1937

Com a implantação do Estado Novo (1937-1945), sob governo de Getúlio Vargas, foi promulgada a Constituição de 1937. De acordo com Romanelli (2013), a educação, que na carta de 1934 era um dever do Estado, nesta passa a ser uma ação supletiva:


O artigo 129 é bem claro: À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da nação, dos estados e dos municípios, assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais (ROMANELLI, 2013, p.157).


Segundo Ghiraldelli (2009), nesse período nosso país, já em processo de industrialização e urbanização, aclamava por mão-de-obra técnica, levando o governo a cumprir a carta de 1937, oferecendo o ensino profissionalizante aos setores menos favorecidos e o ensino propedêutico, o qual possibilitava o acesso ao ensino superior à elite, oficializando o dualismo educacional.

3.4.        Ensino profissionalizante e formação do SENAI e SENAC

A consolidação do ensino profissionalizante idealizado pela Reforma Capanema se deu com Lei Orgânica ao criar dois modelos de ensino profissional, um deles com bases no sistema oficial e outro pelas empresas, também sendo supervisionado pelo Estado.
Tal sistematização contribuiu muito para os avanços industriais e tecnicistas da educação brasileira, mas Aranha (2006a, p. 308), nos alerta que “mesmo reconhecendo o êxito do Senai e do Senac, é preciso identificar nesse sistema a manutenção do sistema dual de ensino”, ou seja, a educação ainda atendia aos interesses elitistas.


4.    A REPÚBLICA POPULISTA

A educação brasileira de 1956 a 1964 mostra-se muito interessada pela questão industrial e tecnicista. A internacionalização da economia e a questão industrial no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), fizeram debates sobre padrões educacionais no país, em especial a escolas de espaços públicos e privados (não se tinha um consenso de como o Estado deveria intervir educacionalmente e financeiramente nessas escolas), apontando focos e pontos de vista antes não debatidos.
Segundo Aranha (2006a, p. 310):


[...] os entraves ocorridos nesses debates sobre a educação partiam das divergências ideológicas de uma elite, liderada pelo deputado Carlos Lacerda, que pretendia manter o ideal dualista de educação (divisão da educação, formadora de elite e de mão-de-obra para a elite), a Igreja Católica que mantinha para si a maioria das escolas particulares e tradicionalmente defendia os interesses dos privilegiados; e líderes sindicais, estudantes e intelectuais da educação, que apoiando os “pioneiros da educação nova” enriqueciam a “Campanha em Defesa da Escola Pública”.

Enquanto Lacerda e a Igreja Católica defendiam que era função do Estado suprir igualmente os recursos técnicos das escolas públicas e privadas, o Manifesto dos Educadores Mais uma Vez Convocados (1959) defendia que era preciso existir duas redes de ensino no país, a oficial e a particular, mas “as verbas públicas deveriam ser exclusivas da educação popular.” (Ibidem, 2006a,p. 310)
Aranha (2006a) nos lembra que, por conta dos vários problemas e conflitos de interesses em sua elaboração, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº4. 024 de 1961 já foi lançada ultrapassada pelas mudanças decorrentes da industrialização.

De certo modo, não houve alteração na estrutura de ensino, conservando-se a mesma da reforma Capanema, mas com a vantagem de permitir a equivalência dos cursos, o que quebrou a rigidez do sistema, ao facilitar a mobilidade entre eles. (Ibidem, 2006a, p. 311).

Mesmo tendo resultados significativos para o avanço da educação pública no país, as elites ainda assim saíram vitoriosas, principalmente na questão da iniciativa privada, já que foi aprovada a lei claramente contraditória em si, que passava para o Estado a obrigatoriedade de manter as escolas públicas e privadas, em sua totalidade, mesmo iniciando o discurso com a afirmação de que não cooperaria com financiamentos, sejam quaisquer fossem:

Dizia o artigo 95: “A União dispensará a sua cooperação financeira ao ensino sob forma de: [...] c) financiamento a estabelecimentos mantidos pelos estados, municípios e particulares [grifo nosso] para compra, construção ou reforma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em vigor. (Ibidem, 2006a, p.311)


Essa lei foi um grande transtorno para as finanças estatais e uma grande oportunidade para obter recursos, hierarquizar a educação e desenvolver um jogo de influências, pois como nos lembra Aranha (2006a, p. 311): “Essa ‘cooperação financeira’, porém, não deixava de contribuir para manter a situação de injustiça numa sociedade em que 50% da população em idade escolar encontrava-se fora da escola”.
O ensino técnico também continuava a ser desconsiderado como prioridade nesse período, mesmo com os apelos de setores industriais, comerciais e agrícolas por mão-de-obra qualificada para o crescimento econômico do país. Todo esse desencontro de ideias e objetivos “aumentaram o descompasso entre a estrutura educacional e o sistema econômico.” (Ibidem, 2006a, p. 311)
Mesmo com poucas mudanças na questão estrutural e na valorização do ensino público de qualidade, Aranha (2006a, p. 311-312) nos atenta ao fato de que:

[...] as LDB de 1960 pensava em escolas que atendesse a toda a população de forma genuinamente igualitária e promovesse uma real democracia. A década de 1960 teve uma grande efervescência ideológica sobre o papel da educação, formando-se grupos distintos que se preocupavam com debates sobre educação, tais como os Centros Populares de Cultura (CPC-1961), Movimentos de Cultura Popular (MCP – 1960), Movimentos de Educação de Base (MEB – 1961), todos criados a partir de iniciativas tanto da UNE (União Nacional dos Estudantes) quanto de movimentos ligados à Igreja Católica.


Mas toda essa acalorada discussão sobre a educação no país é interrompida a partir de 1964, com o golpe militar.


5.    A DITADURA DE 1964 E O FORTALECIMENTO DA EDUCAÇÃO TECNICISTA NO BRASIL

O Estado Militar era plenamente arbitrário e caracterizava-se pela imposição e falta de direitos individuais, daí podemos entender facilmente o que aconteceram com organizações, como a UNE (União Nacional dos Estudantes), e tantas outras instituições e organizações que pensavam a educação de forma democrática.
Os movimentos de educação popular foram considerados subversivos e, toda educação ou movimento com caráter político, acabou por entrar na ilegalidade. As escolas assumiram um caráter plenamente progressista e os educadores tinham que passar por um representante de confiança dos militares, que avaliaria se o pretendente ao cargo não tinha passado pelo DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), verificando as possibilidades subversivas do indivíduo.
Escolhiam-se a dedo os profissionais da educação que tinham o perfil satisfatório aos planos da ditadura.

[...] a intenção explicita da ditadura em “educar” politicamente a juventude revelou-se no decreto-lei baixado pela Junta Militar em 1969, que tornou obrigatório o ensino de Educação Moral e Cívica nas escolas de todos os graus e modalidades de ensino. (ARANHA, 2006a, p. 314).


Mesmo com forte repressão ainda existiam movimentos intelectuais de resistência à opressão. Segundo Aranha (2006a, p. 314-315):

[...] a UNE ainda agia na clandestinidade, promovendo congressos no interior do estado de São Paulo. Estudantes de filosofia da USP também se posicionavam em defesa da liberdade individual e pelo estado de direito. Tais movimentos enraiveciam os ditadores, que endureciam ainda mais as leis contra os opositores do regime. [...]
A reação da ditadura recrudescia, em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI-5) retirou todas as garantias individuais, públicas ou privadas e concedeu ao presidente da República poderes para atuar como executivo e legislativo. Em fevereiro de 1969, o Decreto nº 477 proibia aos professores, alunos e funcionários das escolas toda e qualquer manifestação de caráter político. [...] Com o pretexto de averiguar atividades subversivas, instalou-se o terrorismo nas universidades. Processos sumários e arbitrários demitiam ou aposentavam professores.


A autora nos lembra que foi nesse palco político problemático que, a partir do Decreto nº 68.908/71, foi criado e implantado o vestibular classificatório para as universidades públicas e privadas, resolvendo o problema de falta de vagas para determinados cursos.
Os novos projetos educacionais propostos pelos militares revogavam a LDB nº4.024 de 61 e inseriam grandes alterações em seus objetivos, em especial ao focar-se na formação, tanto no ensino universitário, Lei 5.540/68, quanto no 1º e 2º grau, Lei 5.692/71, com objetivos quase que exclusivamente tecnocratas.

A tendência tecnicista em educação resultou da tentativa de aplicar na escola o modelo empresarial, que se baseia na “racionalização” (...) adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica, evidentemente com economia de tempo, esforços e custos. (Ibidem, 2006a, p. 315).


            Entre os principais acordos educacionais realizados no período, um dos mais graves foi o MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e United StatesAgencyofInternationalDevelopment), pois “o Brasil receberia assistências técnicas e cooperação financeira para implantação da reforma” (Ibidem, 2006a, p.316), o que faz tanto a economia, quanto a educação no país ficarem à mercê dos interesses norte-americanos.
            Aranha (2006a, p. 316) nos atenta aos pilares da reforma educacional que os militares impuseram:


·         Educação e segurança: formação do cidadão consciente – daí as disciplinas sobre civismo e problemas brasileiros [...]
·         Educação e comunidade: Criação de conselhos de empresários e mestres para estabelecer a relação entre escola e comunidade.


Portanto, observamos que, mesmo os anos de chumbo prometendo avanços econômicos, técnicos e sociais e, utilizando claramente ideais capitalistas e progressistas, além de acordos econômicos com os Estados Unidos da América, o “grande irmão”, a situação educacional no Brasil, em especial do povo brasileiro, continuou às migalhas, nem mesmo em espaços como a Conferência Nacional da Educação (1966), que contava com figuras ilustres e grandes pensadores da educação, como Paulo Freire, conseguiram segurar os anseios e objetivos dos grandes industriais financiadores do Regime Militar.


6.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos estudos desenvolvidos nota-se que o sistema educacional surgiu em meados do século XVII, com preceitos religiosos, na forma de uma instituição e perdura até o exato momento em que a conhecemos.
Desde cedo os agentes criadores tinham o intuito de focar em uma educação apenas para as elites, para que somente eles obtivessem o poder sobre os demais e havia também uma diferença entre as funções do homem e da mulher, diferenças estas que estavam de acordo com a organização escolar, o que mais tarde foi elaborada enquanto currículo.
O conhecimento estava restrito a classes sociais específicas, herdada de um conhecimento clássico humanista, vindo na antiguidade que focava a gramática, a música, a astronomia, etc., mas com o decorrer dos tempos observamos mudanças significativas.
Quanto à democracia, houve um esforço significativo por parte dos socialistas para que a educação fosse para todos a partir da Proclamação da República e, com isso, o sistema educacional brasileiro poderia idealizar uma instituição escolar para as diversas classes sociais e, consequentemente, houve diversos movimentos para uma educação igualitária.
Com as diversas revoluções, movimentos e conferências, surgiram constituições que defendiam a educação democrática, humana e geral, a fim de tornar a instituição escolar um local de emancipação e conscientização.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDRADE, José Rivamarde; TRIGUEIRO, Samara Dantas. A reforma protestante: uma nova reflexão sobre a teologia e a vida cristã. Revista Brasileira de Filosofia e História, Pombal, v. 2, n. 1, p. 23-28, jan.-dez., 2013. Disponível em: www.gvaa.com.br/revista/index.php/RBFH. Acesso em: 26 out. 2015.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3. Ed. São Paulo: Moderna, 2006b.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: Geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006a.

GHIRALDELLI JR, Paulo. História da Educação Brasileira. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

LOPES, Eliane Marta Teixeira et al. 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

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[1]Graduação em Licenciatura em História, Especialização em Metodologia do Ensino de História e Geografia pela Instituição Faculdade de Educação São Luis; E-mail do autor: rodrigo.f.p.bastos@gmail.com; Orientadora: Profa. Dra. Lucia Helena Vasques.

[2]Concílio de Trento foi um movimento contra a Reforma Protestante na Europa que buscou o controle de todos os membros da Igreja Católica, segundo Marcilio (2004).

[3]A Companhia de Jesus foi fundada por Santo Inácio de Loyola em plena Contrarreforma religiosa, no ano de 1534 na Europa. Ele, juntamente com um grupo de estudantes da Universidade de Paris, fez votos de obediência à doutrina da Igreja Católica.

[4] De acordo com Souza (2001), esse foi um dos nomes dados ao nosso país na época em que Pedro Álvares Cabral chegou à América do Sul.  Foi nomeado pela primeira vez pelo escrivão Pero Vaz de Caminha que adotou o nome numa de suas cartas enviadas a Cabral; foi o registro de suas primeiras impressões sobre a terra então descoberta.

[5]A Reforma protestante foi iniciada com Martinho Lutero e possibilitou o enfraquecimento do poder político da Igreja Católica e aumentou o poder real, e com isso foi colocado em primeiro plano a responsabilidade individual, segundo Andrade e Trigueiro (2013).
[6]O Iluminismo surgiu na França do século XVII e defendia o domínio da razão sobre a visão teocêntrica que dominava a Europa desde a Idade Média.

[7]Segundo Romanelli (2013) a Associação Brasileira de Educação (ABE) era uma organização que encarnava um movimento, as reivindicações que pretendiam sensibilizar o poder público e a classe dos educadores para os problemas mais cruciantes da educação nacional e a necessidade urgente de se tomarem medidas concretas para equacionar e resolver esses problemas.

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