sábado, 17 de dezembro de 2016

RESUMO: Erick Hobsbawm – A ERA DOS IMPÉRIOS.


Apenas uma confusão política completa e um otimismo ingênuo podem impedir que se reconheça que os esforços inevitáveis em favor da expansão comercial de todas as nações civilizadas, sob controle da burguesia, após um período de transição de concorrência aparentemente pacífica, aproximam-se nitidamente do ponto em que apenas o poder decidirá a parte que caberá a cada nação no controle econômico da Terra e, portanto, a esfera de ação de seus povos e, especialmente, do potencial de ganho de seus trabalhadores.
                                                                                                                             Max Weber, 1894

Era muito provável que uma economia mundial cujo ritmo era determinado por seu núcleo capitalista desenvolvido ou em desenvolvimento se transformasse num mundo onde os “avançados” dominariam os “atrasados”; em suma, num mundo de império. O período entre 1875 e 1914 pode ser chamado de Era dos Impérios porque foi o período da história mundial moderna em que chegou ao máximo o número de governantes que se autodenominavam “imperadores”, ou que eram considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse título.
            Na Europa, os governantes da Alemanha, Áustria, Rússia, Turquia e (em sua qualidade de dirigente da Índia) Grã-Bretanha reivindicavam esse titulo. Eles mais que compensaram o desaparecimento do “Segundo Império” de Napoleão III, da França. Fora da Europa, os dirigentes da China, Japão, Pérsia e Etiópia e Marrocos eram normalmente autorizados a usar esse título, ao passo que, até 1889, sobreviveu um imperador americano, o do Brasil. Pode-se acrescentar à lista um ou dois imperadores ainda mais obscuros. Em 1918, cinco deles haviam desaparecido.
            Em um sentido menos superficial, o período que nos ocupa é obviamente a era de um novo tipo de império, o colonial. A supremacia econômica e militar dos países capitalistas se traduziu, neste momento, em tentativas sistemáticas de conquistas formais, anexação e administração de várias regiões. Isto se deu entre 1880 e 1914, e a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi formalmente dividida em territórios sob governo direto ou sob dominação política indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo.
            Duas regiões maiores do mundo foram, para fins práticos, inteiramente divididas: África e Pacifico. Não restou qualquer Estado independente no Pacífico, então totalmente distribuído entre britânicos, franceses, alemães, holandeses, norte-americanos e japoneses. Por volta de 1914, a África pertencia inteiramente aos impérios britânico, francês, alemão, belga, português e, marginalmente, espanhol, à exceção da Etiópia, da insignificante Libéria e daquela parte do Marrocos que ainda resistia à conquista completa.
            As Américas eram , em 1914, o que haviam sido em 1875, ou, neste sentido, nos anos 1820: uma coleção única de repúblicas soberanas, com exceção do Canadá, das ilhas do Caribe e de partes do litoral caribenho. à exceção dos EUA, seu status político raramente impressionava alguém, além de seus vizinhos. Era perfeitamente claro que, do ponto de vista econômico, elas eram dependentes do mundo desenvolvido. Contudo, nem os EUA, que crescentemente afirmavam sua hegemonia política e militar na área, tentaram seriamente conquista-las e administrá-las.
            Essa repartição do mundo entre um pequeno número de Estados, que dá título ao presente volume, foi a expressão da divisão do planeta em fortes e fracos, em “avançados” e “atrasados”.
            Os observadores ortodoxos (tradicionais) do contexto pensavam discernir, em termos gerais, uma nova era de expansão nacional na qual os elementos políticos e econômicos já não eram claramente separáveis e o Estado desempenhava um papel cada vez mais ativo e crucial tanto interna como externamente. Já o cerne da análise leninista acreditava que as raízes econômicas do novo imperialismo residiam numa nova etapa especifica do capitalismo que, entre outras coisas, levava à “divisão territorial do mundo entre as grandes potências capitalistas”, configurando um conjunto de colônias formais e informais e de esferas de influência.
            Logo, o fato maior do século XIX é a criação de uma economia global única, que atinge progressivamente as mais remotas paragens do mundo, uma rede cada vez mais densa de transações econômicas, comunicações e movimentos de bens, dinheiro e pessoas ligando os países desenvolvidos entre si e ao mundo não desenvolvido. Sem isso não haveria um motivo especial para que os Estados europeus tivessem um interesses algo mais que fugaz em algumas questões de domínios... Essa globalização da economia não era nova, embora tivesse se acelerado consideravelmente nas décadas centrais do século. Ela continuou a crescer entre 1875 e 1914. As exportações europeias, de fato, tinham mais que quadruplicado entre 1848 e 1875, ao passo que entre esta última data e 1915 apenas duplicaram. Neste quadro de desenvolvimentismo, aumentaram-se as redes ferroviárias e de navegações mercantes ao longo do mundo. Essa malha de transportes cada vez mais fina incorporou até os países atrasados e anteriormente marinais à economia mundial, e criou nos velhos centro de riqueza e desenvolvimento um interesse novo por essas áreas remotas.
            De fato, a civilização “branca”, agora precisava do exótico. O desenvolvimento tecnológico agora dependia de MATERIAS-PRIMAS que, devido ao clima ou ao acaso geológico, seriam encontradas exclusiva ou profusamente em lugares remotos. Além destas, o imperialismo se assentou sobre as plantations, as grandes propriedades rurais e as fazendas, para produtos (alimentos) de primeira necessidade principalmente para a Europa e nos comerciantes e financistas metropolitanos, para estabelecimento das relações comerciais.
            Levando em conta todas as especulações, o motivo geral mais convincente para a expansão colonial foi a procura de mercados e matérias-primas para as indústrias. Portanto, o “novo imperialismo” foi o subproduto natural de uma economia internacional baseada na rivalidade entre várias economias industriais concorrentes, intensificada pela PRESSÃO ECONÔMICA DOS ANOS 1880... As colônias, além de seu caráter de exploração direta ou indireta, podiam propiciar apenas bases adequadas ou trampolins para a penetração na economia da região.
            A essa altura torna-se difícil separar os motivos econômicos para a aquisição de territórios coloniais da ação política necessária para este fim, pois o protecionismo de qualquer tipo é a economia operando com a ajuda da política. Assim, com o poder das metrópoles, estabeleciam-se domínios em locais cruciais para o controle do acesso a várias regiões terrestres e marítimas, consideradas como vitais para os interesses do “comércio mundial”; logo, a aquisição de colônias se tornou um símbolo de status em si, independente de seu valor...
            Nas Américas, a situação das colônias europeias sobreviventes estava congelada pela Doutrina Monroe: só os EUA tinham liberdade de ação e influência. Mas é preciso lembrar que de forma mais geral, o imperialismo encorajou as massas, e, sobretudo as potencialmente descontentes, a se identificarem, ao sistema político e social representado por esse Estado gerando assim, justificação e legitimidade. Em suma, o império atuava como um excelente aglutinante ideológico.
            Não é totalmente claro até que ponto essa variante específica de patriotismo exacerbado foi eficaz, especialmente em países onde o liberalismo e a esquerda, mais radical, contavam com fortes tradições anti-imperial, antimilitar, anticolonial ou, de maneira mais geral, anti-aristocrática. Sabe-se que, em vários países, o imperialismo era extremamente popular entre os novos estratos médios e de colarinhos brancos... Entretanto, é impossível negar que a ideia da superioridade em relação a um mundo de peles escuras situados em lugares remotos e sua dominação era autenticamente popular, beneficiando, assim, a política do imperialismo...
            Ainda pode ser debatido se o comércio seguiu a bandeira, mas não há dúvida de que a conquista colonial abriu o caminho à ação missionária efetiva, mesmo que de forma a originar, involuntariamente, varias “versões” da fé cristã.
            O impacto econômico do imperialismo foi significativo em várias partes do mundo, mas, é claro, o que ele teve de mais significativo foi sua profunda desigualdade, pois as relações entre metrópoles e países dependentes eram altamente assimétricas. O impacto das primeiras sobre os segundos foi dramático e decisivo, mesmo sem ocupação efetiva, ao passo que o impacto dos segundos sobre as primeiras pode ser insignificante e raramente foi uma questão de vida ou morte.
            Nessa “corrida colonial”, a Grã-Bretanha se apossou, é claro, de sua parte nas regiões recentemente colonizadas do mundo, e, dadas a força e a experiência britânica, era uma parte maior e provavelmente mais valiosa que a de qualquer outro. A França ocupava a maior parte da África Ocidental, mas as quatro colônias britânicas na área controlavam as parcelas onde havia “as populações africanas mais densas, as maiores instalações produtivas e a preponderância do comércio”. Contudo, o objetivo britânico não era a expansão, mas impedir a intromissão de outros em territórios até então dominados pelo comércio e pelo capital britânicos, como a maior parte do mundo ultramarino.
            Em suma, o novo colonialismo foi um subproduto de uma era de rivalidades econômico-política entre economias nacionais concorrentes, intensificada pelo protecionismo. Contudo, a Era dos Impérios, foi um fenômeno além de econômico e político, também cultural... O que o imperialismo trouxe às elites efetivas ou potenciais do mundo dependente foi, portanto, essencialmente a “ocidentalização” (por acordos ou por força). A Era dos Impérios criou tanto as condições que formaram lideres anti-imperialistas como as condições que começaram a propiciar ressonância a suas vozes. No entanto, é um anacronismo e um equívoco apresentar a história dos povos e regiões submetidas à dominação e à influencia das metrópoles ocidentais basicamente em termos de resistência ao Ocidente (Pois receberam muita influencia cultural dos imperiais, sem as quais eles não existiriam).
            Na verdade, foram as elites ocidentalizadas as primeiras a entrar em contato com certas ideias, através de suas visitas ao Ocidente e suas instituições educacionais, pois esta era sua origem. Jovens estudantes indianos de volta da Grã-Bretanha podiam levar consigo as palavras de ordem de Mazzini e Garibaldi; assim sendo, o mais poderoso legado cultural do imperialismo foi uma educação em moldes ocidentais para minorias de vários tipos: para os pouco favorecidos que se alfabetizaram, descobrindo, portanto, com ou sem a ajuda da conversão cristã, o caminho mais direto para a ambição, que usava o colarinho branco dos clérigos, professores, burocratas ou funcionários de escritório.
            Outro dado importante é que nesse período, muitas obras literárias de diversos autores ideológicos, em geral, reforçaram o sentimento de superioridade do “civilizado” em relação ao “primitivo”. Quando a linguagem coloquial absorveu palavras oriundas da experiência colonial efetiva, elas refletiam muitas vezes uma visão negativa dos súditos... exemplo são os operários italianos que chamavam os fura-greves de crumiri (nome de uma tribo do norte da África); caids (chefe indígena da África do Norte) foi o termo aplicado a líderes de gangues criminosas na França.
Houve, contudo, um lado mais positivo nesse exotismo, pois também foram produzidas obras de impressionante erudição, especialmente no Império Indiano, bem como reflexões teóricas que transformaram as ciências sociais ocidentais. Boa parte desse trabalho foi o subproduto da dominação colonial ou visava a ajuda-la, e a maioria repousava, inquestionavelmente, no sentimento firme e confiante da superioridade do conhecimento ocidental sobre qualquer outro...

Autor: ZANCHI, D. R. de O.
Graduado em História.

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