Apenas
uma confusão política completa e um otimismo ingênuo podem impedir que se
reconheça que os esforços inevitáveis em favor da expansão comercial de todas
as nações civilizadas, sob controle da burguesia, após um período de transição
de concorrência aparentemente pacífica, aproximam-se nitidamente do ponto em
que apenas o poder decidirá a parte que caberá a cada nação no controle
econômico da Terra e, portanto, a esfera de ação de seus povos e,
especialmente, do potencial de ganho de seus trabalhadores.
Max
Weber, 1894
Era
muito provável que uma economia mundial cujo ritmo era determinado por seu
núcleo capitalista desenvolvido ou em desenvolvimento se transformasse num
mundo onde os “avançados” dominariam os “atrasados”; em suma, num mundo de
império. O período entre 1875 e 1914 pode ser chamado de Era dos Impérios
porque foi o período da história mundial moderna em que chegou ao máximo o
número de governantes que se autodenominavam “imperadores”, ou que eram
considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse título.
Na Europa, os governantes da Alemanha, Áustria, Rússia,
Turquia e (em sua qualidade de dirigente da Índia) Grã-Bretanha reivindicavam
esse titulo. Eles mais que compensaram o desaparecimento do “Segundo Império”
de Napoleão III, da França. Fora da Europa, os dirigentes da China, Japão,
Pérsia e Etiópia e Marrocos eram normalmente autorizados a usar esse título, ao
passo que, até 1889, sobreviveu um imperador americano, o do Brasil. Pode-se
acrescentar à lista um ou dois imperadores ainda mais obscuros. Em 1918, cinco
deles haviam desaparecido.
Em um sentido menos superficial, o período que nos ocupa
é obviamente a era de um novo tipo de império, o colonial. A supremacia
econômica e militar dos países capitalistas se traduziu, neste momento, em
tentativas sistemáticas de conquistas formais, anexação e administração de
várias regiões. Isto se deu entre 1880 e 1914, e a maior parte do mundo, à
exceção da Europa e das Américas, foi formalmente dividida em territórios sob
governo direto ou sob dominação política indireta de um ou outro Estado de um
pequeno grupo.
Duas regiões maiores do mundo foram, para fins práticos,
inteiramente divididas: África e Pacifico. Não restou qualquer Estado
independente no Pacífico, então totalmente distribuído entre britânicos,
franceses, alemães, holandeses, norte-americanos e japoneses. Por volta de
1914, a África pertencia inteiramente aos impérios britânico, francês, alemão,
belga, português e, marginalmente, espanhol, à exceção da Etiópia, da
insignificante Libéria e daquela parte do Marrocos que ainda resistia à
conquista completa.
As Américas eram , em 1914, o que haviam sido em 1875,
ou, neste sentido, nos anos 1820: uma coleção única de repúblicas soberanas,
com exceção do Canadá, das ilhas do Caribe e de partes do litoral caribenho. à
exceção dos EUA, seu status político raramente impressionava alguém, além de
seus vizinhos. Era perfeitamente claro que, do ponto de vista econômico, elas
eram dependentes do mundo desenvolvido. Contudo, nem os EUA, que crescentemente
afirmavam sua hegemonia política e militar na área, tentaram seriamente
conquista-las e administrá-las.
Essa repartição do mundo entre um pequeno número de
Estados, que dá título ao presente volume, foi a expressão da divisão do
planeta em fortes e fracos, em “avançados” e “atrasados”.
Os observadores ortodoxos (tradicionais) do contexto
pensavam discernir, em termos gerais, uma nova era de expansão nacional na qual
os elementos políticos e econômicos já não eram claramente separáveis e o
Estado desempenhava um papel cada vez mais ativo e crucial tanto interna como
externamente. Já o cerne da análise leninista acreditava que as raízes
econômicas do novo imperialismo residiam numa nova etapa especifica do capitalismo
que, entre outras coisas, levava à “divisão territorial do mundo entre as
grandes potências capitalistas”, configurando um conjunto de colônias formais e
informais e de esferas de influência.
Logo, o fato maior do século XIX é a criação de uma
economia global única, que atinge progressivamente as mais remotas paragens do
mundo, uma rede cada vez mais densa de transações econômicas, comunicações e
movimentos de bens, dinheiro e pessoas ligando os países desenvolvidos entre si
e ao mundo não desenvolvido. Sem isso não haveria um motivo especial para que
os Estados europeus tivessem um interesses algo mais que fugaz em algumas
questões de domínios... Essa globalização da economia não era nova, embora
tivesse se acelerado consideravelmente nas décadas centrais do século. Ela
continuou a crescer entre 1875 e 1914. As exportações europeias, de fato, tinham
mais que quadruplicado entre 1848 e 1875, ao passo que entre esta última data e
1915 apenas duplicaram. Neste quadro de desenvolvimentismo, aumentaram-se as
redes ferroviárias e de navegações mercantes ao longo do mundo. Essa malha de
transportes cada vez mais fina incorporou até os países atrasados e
anteriormente marinais à economia mundial, e criou nos velhos centro de riqueza
e desenvolvimento um interesse novo por essas áreas remotas.
De fato, a civilização “branca”, agora precisava do
exótico. O desenvolvimento tecnológico agora dependia de MATERIAS-PRIMAS que,
devido ao clima ou ao acaso geológico, seriam encontradas exclusiva ou
profusamente em lugares remotos. Além destas, o imperialismo se assentou sobre
as plantations, as grandes propriedades rurais e as fazendas, para produtos
(alimentos) de primeira necessidade principalmente para a Europa e nos
comerciantes e financistas metropolitanos, para estabelecimento das relações
comerciais.
Levando em conta todas as especulações, o motivo geral mais
convincente para a expansão colonial foi a procura de mercados e
matérias-primas para as indústrias. Portanto, o “novo imperialismo” foi o
subproduto natural de uma economia internacional baseada na rivalidade entre
várias economias industriais concorrentes, intensificada pela PRESSÃO ECONÔMICA
DOS ANOS 1880... As colônias, além de seu caráter de exploração direta ou
indireta, podiam propiciar apenas bases adequadas ou trampolins para a
penetração na economia da região.
A essa altura torna-se difícil separar os motivos
econômicos para a aquisição de territórios coloniais da ação política
necessária para este fim, pois o protecionismo de qualquer tipo é a economia
operando com a ajuda da política. Assim, com o poder das metrópoles,
estabeleciam-se domínios em locais cruciais para o controle do acesso a várias
regiões terrestres e marítimas, consideradas como vitais para os interesses do
“comércio mundial”; logo, a aquisição de colônias se tornou um símbolo de
status em si, independente de seu valor...
Nas Américas, a situação das colônias europeias
sobreviventes estava congelada pela Doutrina Monroe: só os EUA tinham liberdade
de ação e influência. Mas é preciso lembrar que de forma mais geral, o
imperialismo encorajou as massas, e, sobretudo as potencialmente descontentes,
a se identificarem, ao sistema político e social representado por esse Estado gerando
assim, justificação e legitimidade. Em suma, o império atuava como um excelente
aglutinante ideológico.
Não é totalmente claro até que ponto essa variante
específica de patriotismo exacerbado foi eficaz, especialmente em países onde o
liberalismo e a esquerda, mais radical, contavam com fortes tradições
anti-imperial, antimilitar, anticolonial ou, de maneira mais geral, anti-aristocrática.
Sabe-se que, em vários países, o imperialismo era extremamente popular entre os
novos estratos médios e de colarinhos brancos... Entretanto, é impossível negar
que a ideia da superioridade em relação a um mundo de peles escuras situados em
lugares remotos e sua dominação era autenticamente popular, beneficiando,
assim, a política do imperialismo...
Ainda pode ser debatido se o comércio seguiu a bandeira,
mas não há dúvida de que a conquista colonial abriu o caminho à ação missionária
efetiva, mesmo que de forma a originar, involuntariamente, varias “versões” da
fé cristã.
O impacto econômico do imperialismo foi significativo em
várias partes do mundo, mas, é claro, o que ele teve de mais significativo foi
sua profunda desigualdade, pois as relações entre metrópoles e países
dependentes eram altamente assimétricas. O impacto das primeiras sobre os
segundos foi dramático e decisivo, mesmo sem ocupação efetiva, ao passo que o
impacto dos segundos sobre as primeiras pode ser insignificante e raramente foi
uma questão de vida ou morte.
Nessa “corrida colonial”, a Grã-Bretanha se apossou, é
claro, de sua parte nas regiões recentemente colonizadas do mundo, e, dadas a
força e a experiência britânica, era uma parte maior e provavelmente mais
valiosa que a de qualquer outro. A França ocupava a maior parte da África
Ocidental, mas as quatro colônias britânicas na área controlavam as parcelas
onde havia “as populações africanas mais densas, as maiores instalações
produtivas e a preponderância do comércio”. Contudo, o objetivo britânico não
era a expansão, mas impedir a intromissão de outros em territórios até então
dominados pelo comércio e pelo capital britânicos, como a maior parte do mundo
ultramarino.
Em suma, o novo colonialismo foi um subproduto de uma era
de rivalidades econômico-política entre economias nacionais concorrentes,
intensificada pelo protecionismo. Contudo, a Era dos Impérios, foi um fenômeno
além de econômico e político, também cultural... O que o imperialismo trouxe às
elites efetivas ou potenciais do mundo dependente foi, portanto, essencialmente
a “ocidentalização” (por acordos ou por força). A Era dos Impérios criou tanto
as condições que formaram lideres anti-imperialistas como as condições que
começaram a propiciar ressonância a suas vozes. No entanto, é um anacronismo e
um equívoco apresentar a história dos povos e regiões
submetidas à dominação e à influencia das metrópoles ocidentais basicamente em
termos de resistência ao Ocidente (Pois receberam muita influencia cultural dos
imperiais, sem as quais eles não existiriam).
Na verdade, foram as elites ocidentalizadas as primeiras
a entrar em contato com certas ideias, através de suas visitas ao Ocidente e
suas instituições educacionais, pois esta era sua origem. Jovens estudantes
indianos de volta da Grã-Bretanha podiam levar consigo as palavras de ordem de
Mazzini e Garibaldi; assim sendo, o mais poderoso legado cultural do
imperialismo foi uma educação em moldes ocidentais para minorias de vários
tipos: para os pouco favorecidos que se alfabetizaram, descobrindo, portanto,
com ou sem a ajuda da conversão cristã, o caminho mais direto para a ambição,
que usava o colarinho branco dos clérigos, professores, burocratas ou
funcionários de escritório.
Outro dado importante é que nesse período, muitas obras
literárias de diversos autores ideológicos, em geral, reforçaram o sentimento
de superioridade do “civilizado” em relação ao “primitivo”. Quando a linguagem
coloquial absorveu palavras oriundas da experiência colonial efetiva, elas
refletiam muitas vezes uma visão negativa dos súditos... exemplo são os
operários italianos que chamavam os fura-greves de crumiri (nome de uma tribo
do norte da África); caids (chefe indígena da África do Norte) foi o termo
aplicado a líderes de gangues criminosas na França.
Houve,
contudo, um lado mais positivo nesse exotismo, pois também foram produzidas
obras de impressionante erudição, especialmente no Império Indiano, bem como
reflexões teóricas que transformaram as ciências sociais ocidentais. Boa parte
desse trabalho foi o subproduto da dominação colonial ou visava a ajuda-la, e a
maioria repousava, inquestionavelmente, no sentimento firme e confiante da
superioridade do conhecimento ocidental sobre qualquer outro...
Autor: ZANCHI, D. R. de O.
Graduado em História.
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