A inclusão é uma inovação, cujo
sentido tem sido muito distorcido e um movimento muito polemizado pelos mais
diferentes segmentos educacionais e sociais. No entanto, inserir alunos com
déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais graves ou menos
severos no ensino regular nada mais é do que garantir o direito de todos à
educação - e assim diz a Constituição!
O objetivo é clarear o sentido da
inclusão, como inovação, tornando-o compreensível, aos que se interessam pela
educação como um direito de todos, que precisa ser respeitado. Pretendemos,
também demonstrar a viabilidade da inclusão pela transformação geral das
escolas, visando a atender aos princípios deste novo paradigma educacional.
Para descrever o nosso caminho na
direção das escolas inclusivas vamos focalizar nossas experiências, no cenário
educacional brasileiro sob três ângulos: o dos desafios provocados por essa
inovação, o das ações para efetivá-la nas turmas escolares, incluindo o
trabalho de formação de professores e, finalmente o das perspectivas que se
abrem à educação escolar, a partir de sua implementação.
O princípio democrático da educação para
todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os
alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. A inclusão, como
consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos provoca e exige da
escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino
se modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas. É uma
inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das condições
atuais da maioria de nossas escolas de nível básico.
O motivo que sustenta a luta pela
inclusão como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem
dúvida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se
tornem aptas para responder às necessidades de cada um de seus alunos, de
acordo com suas especificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas
modalidades de exclusão.
Toda criança precisa da escola para
aprender e não para marcar passo ou ser segregada em classes especiais e
atendimentos à parte. Há sistemas organizacionais de ensino que tornam o
percurso escolar muito difícil de ser vencido, uma verdadeira competição entre
a correnteza do rio e a força dos que querem se manter no seu curso principal.
Muda-se as instituições, não os alunos.
Temos de agir urgentemente:
1º
Colocando a aprendizagem como o eixo das escolas;
2º
Garantindo tempo para que todos possam aprender e reprovando a repetência;
3º
Abrindo espaço para que a cooperação, diálogo, solidariedade, criatividade e espírito
crítico sejam exercitados nas escolas, por professores, administradores,
funcionários e alunos, pois são habilidades mínimas para o exercício da
verdadeira cidadania;
4º
Estimulando, formando continuamente e valorizando o professor que é o
responsável pela tarefa fundamental da escola - a aprendizagem dos alunos;
5º
Elaborando planos de cargos e aumentando salários, realizando concursos
públicos de ingresso, acesso e remoção de professores.
Declaração de Salamanca
de Princípios, Política e Prática em Educação Especial
Resultou
de uma Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais, que reuniu
delegados de 92 governos e 25 ONGs. Teve lugar em Salamanca, na Espanha, em
junho de 1994, sob o patrocínio da UNESCO e do governo da Espanha. O Brasil não
esteve presente, por questões burocráticas, internas do MEC.
Em
Salamanca, foram reafirmados o direito a educação de cada indivíduo, conforme a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e as demandas resultantes da Conferência
Mundial de Educação para Todos (1990). Também foram resgatadas as várias
declarações das Nações Unidas que culminaram no documento que contém as regras
padrões sobre a equalização de oportunidades para pessoas com deficiências,
mencionadas anteriormente.
A
Conferência propôs a adoção de Linhas de Ação em Educação Especial. O princípio
orientador é o de que:
“todas as escolas
deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições
físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Deveriam
incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham,
crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a
minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem
ou marginalizados.. No contexto destas Linhas de Ação o termo 'necessidades
educacionais especiais' refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas
necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de
aprendizagem... Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e
têm, portanto, necessidades educativas especiais em algum momento de sua
escolarização. As escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas
as crianças, inclusive as que tem deficiências graves. (p.17 e 18)”...
Finalmente
um documento divulgado internacionalmente e com a chancela da UNESCO, traz uma
recomendação para o grupo de alunos que têm dificuldades de aprendizagem,
citado como distinto dos portadores de deficiências, embora dificuldades de
aprendizagem possam se manifestar em todos.
Debates
sobre a universalização da educação, reforçada nesta Declaração, há um consenso
emergente de que “crianças e jovens com necessidades educacionais especiais
devem ser incluídos em escolas comuns". Essa recomendação consensual levou
ao conceito de escola inclusiva, cujo principal desafio é desenvolver uma pedagogia
centrada na criança, capaz de educar a todas elas, inclusive aquelas que
possuam desvantagens.
A
proposta de que aos alunos que apresentam necessidades educativas especiais
sejam oferecidos os mesmos arranjos educacionais a que tem acesso qualquer
criança, e compatível com o princípio de normalização. Este termo não e sinônimo
de tomar o deficiente "normal", mas sugestivo de condições de vida,
tais como as proporcionadas para os ditos normais.
Outro
ponto de relevo na Declaração e o do respeito às diferenças individuais,
entendidas como características naturais dos seres humanos. Não se trata de usar
as diferenças individuais como "desculpa" da desatenção da escola
para com os alunos com necessidades educativas especiais. Nem, por fatalismo,
aceitar que acentuada diferença de alguns justifica atribuir-lhes a
responsabilidade de seus insucessos e, com isso, deixar de oferecer-lhes o
atendimento educacional para suas necessidades.
As
diferenças individuais, no âmbito da educação, o processo ensino-aprendizagem
deve ser adaptado às necessidades da criança e não a criança se adaptar ao que
se pensa, preconceituosamente, a respeito de sua aprendizagem. A proposta é de
uma pedagogia centrada na criança, o que deve reduzir, consideravelmente, as
taxas de desistência e de repetência escolar.
"Escolas
centradas na criança são, além do mais, a base para a construção de uma
sociedade centrada nas pessoas, que respeita tanto a diferença quanto a
dignidade de todos os seres humanos. Uma mudança de perspectiva social e
imperativa", (p.18).
Essa
mudança de perspectiva social vem sendo conclamada por todos os educadores que
tem denunciado o caráter elitista da escola que se proclama democrática. Como
sempre, esta no discurso e, como sempre, vem sendo denunciada a defasagem entre
a prática e o que se escreve e o que se faz, ou se desfaz. Nesse sentido, Gadotti
(1995), alerta que:
“A
democracia na Educação, quantitativa e qualitativamente, não pode ser um ato de
pura 'recomendação', como pretendiam os teóricos da educação da década de 70. A
educação, instrumento de paz e o resultado da luta, do movimento popular”, (p.
276). “(...) a ligação entre teoria e prática é fundamental na Educação”,
(p.18).
A
Declaração de Salamanca é, também, um reflexo das ideias de que a escola deve
levar à emancipação do ser humano. Uma escola que entenda a educação como fato “social,
político e cultural” em oposição a uma escola padronizada e reprodutora do “status
quo”, na medida em que privilegiam uns poucos, em detrimento da maioria.
Novo
conceito de escola e de educação especial. Neste último, o especial da educação
traduz-se por meios para atender à diversidade, com propostas curriculares
adaptadas a partir das que são adotadas pela educação comum. Tais meios fazem
parte de um conjunto de medidas que se reúnem como respostas educativas da
escola, compatíveis com as necessidades dos alunos.
O
atendimento das mesmas exige, ainda, serviços de apoio integrados por docentes
e técnicos qualificados. Uma escola aberta à diversidade, que respeite as
diferenças individuais, bem como que estimule a produção de respostas
criativas, divergentes, em oposição às estereotipias e a homogeneidade do sócio-culturalmente
entendido como normal. Tal perspectiva implica redefinição do papel da escola,
mudança de atitude dos professores e comunidade.
A
rentabilização dos recursos e outra perspectiva que a Declaração destaca, na
medida em que os estudos e pesquisas oriundos da educação especial possam ser
aproveitados pela educação regular e vice-versa. A luta pela qualidade da educação e pela
integração e uma luta pedagógica e social. A escola para todos (inclusiva), tem
como princípio fundamental que todas as crianças devem aprender juntas, sempre
que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que
elas possam ter. Trata-se de uma escola oniforme (Gadotti, 1995, p.277) e não
uniforme, um espaço de convivência de diferentes e diferenças. Um espaço de
apropriação do saber centrado na necessidade das crianças, buscando o pleno
desenvolvimento de suas potencialidades.
A
Declaração de Salamanca contém, ainda, linhas de ação para a elaboração de
planos nacionais de educação para todos, inspirados na vontade política e
popular de cunho democrático. As referidas linhas de ação contemplam aspectos
legislativos, políticos, educacionais, administrativos e financeiros. Ênfase é
dada as estatísticas e à organização de uma base de dados, porque necessária a
qualquer planejamento estratégico.
A
localização na criança, e apenas nela, da responsabilidade pelo seu fracasso,
foi criticada nesta Declaração, na medida em que a escola, os educadores e a
comunidade também foram responsabilizados, pelo menos no discurso.
Na
escola, os aspectos a serem revistos para o desenvolvimento de uma proposta
inclusiva foram: currículos, espaços físicos sem barreiras, organização
escolar, pedagogia que explore conteúdos significativos e os processos de
avaliação do aprendizado do aluno e das "respostas educativas" que a
escola oferece.
Em
relação aos educadores, foi ressaltada a necessidade de reflexão acerca de sua
formação e de sua desinformação no que diz respeito às necessidades educativas
especiais de seus alunos. Para as
Universidades, consta a reivindicação de que assuma, efetivamente, o papel de
centros de pesquisas de temas polêmicos como as dificuldades de aprendizagem e
seu enfrentamento. Além deste, a efetiva ação da inclusão responsável, o
imaginário social e as pessoas portadoras de deficiência.
Cabe-lhes,
ainda, contribuir para a qualidade da formação dos futuros profissionais de
qualquer área, pois se graduam sem se aprofundarem na temática das necessidades
especiais e, consequentemente, na banalização dos problemas enfrentados pelos
deficientes.
A
comunidade também e citada como co-responsável pelo processo educativo, ao lado
dos Ministérios da Educação, nos diversos países. O envolvimento da comunidade
implica em sua conscientização para o que a mídia tem de papel decisivo, em
prol da democratização da escola.
O
desenvolvimento da educação sofre interferência nos níveis de desenvolvimento
social, político e econômico dos países. Como o nosso e caracterizado por
marcantes desigualdades regionais e instabilidades político-econômicas de toda
ordem, sofremos as consequências da "iniquidade na oferta de oportunidades
sociais, associada à elevada concentração de renda e patrimônio que tem inibido
o exercício da participação, fazendo emergir vários tipos de cidadania"
(Brasil, MEC, 1993), pag. 77...
Série
de complexas reflexões acerca do modelo de crescimento e desenvolvimento que
foi adotado no Brasil; envolve a ideologia e toda uma cultura de economia inflacionaria
a que estivemos sujeitos. Não podem ser impeditivas da adoção de estratégias
para enfrentar o grave e perverso problema social de milhões de brasileiros que
se encontram na condição de "cidadãos menores" (Demo, 1992), por não
terem tido acesso e sucesso na escola fundamental.
Enquanto
o acesso a educação for seletivo, tanto para o ingresso como para a permanência
de milhares de alunos na escola, não poderemos falar em igualdade de
oportunidades educacionais, nem em pleno exercício da cidadania.
Autores:
Rafaela Angeloni
Rodrigo Bastos
Thaminne
Coutinho
TEXTOS
BASE:
Maria Teresa
Eglér Mantoan. Universidade Estadual de Campinas / Unicamp. Laboratório de Estudos
e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas com Deficiência - LEPED/ FE/
Unicamp
EDLER CARVALHO,
Rosita. A nova LDB e a Educação Especial. Rio de Janeiro: WVA, 1997. p.13 - 62
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