segunda-feira, 7 de março de 2016

RESENHA: Todas as crianças são bem-vindas á escola


            A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito distorcido e um movimento muito polemizado pelos mais diferentes segmentos educacionais e sociais. No entanto, inserir alunos com déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais graves ou menos severos no ensino regular nada mais é do que garantir o direito de todos à educação - e assim diz a Constituição!

           O objetivo é clarear o sentido da inclusão, como inovação, tornando-o compreensível, aos que se interessam pela educação como um direito de todos, que precisa ser respeitado. Pretendemos, também demonstrar a viabilidade da inclusão pela transformação geral das escolas, visando a atender aos princípios deste novo paradigma educacional.
            Para descrever o nosso caminho na direção das escolas inclusivas vamos focalizar nossas experiências, no cenário educacional brasileiro sob três ângulos: o dos desafios provocados por essa inovação, o das ações para efetivá-la nas turmas escolares, incluindo o trabalho de formação de professores e, finalmente o das perspectivas que se abrem à educação escolar, a partir de sua implementação. 
            O princípio democrático da educação para todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. A inclusão, como consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos provoca e exige da escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino se modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas. É uma inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas de nível básico.
            O motivo que sustenta a luta pela inclusão como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem dúvida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se tornem aptas para responder às necessidades de cada um de seus alunos, de acordo com suas especificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas modalidades de exclusão.
            Toda criança precisa da escola para aprender e não para marcar passo ou ser segregada em classes especiais e atendimentos à parte. Há sistemas organizacionais de ensino que tornam o percurso escolar muito difícil de ser vencido, uma verdadeira competição entre a correnteza do rio e a força dos que querem se manter no seu curso principal. Muda-se as instituições, não os alunos.
            Temos de agir urgentemente:
1º Colocando a aprendizagem como o eixo das escolas;
2º Garantindo tempo para que todos possam aprender e reprovando a repetência;
3º Abrindo espaço para que a cooperação, diálogo, solidariedade, criatividade e espírito crítico sejam exercitados nas escolas, por professores, administradores, funcionários e alunos, pois são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania;
4º Estimulando, formando continuamente e valorizando o professor que é o responsável pela tarefa fundamental da escola - a aprendizagem dos alunos;
5º Elaborando planos de cargos e aumentando salários, realizando concursos públicos de ingresso, acesso e remoção de professores.

Declaração de Salamanca de Princípios, Política e Prática em Educação Especial

Resultou de uma Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais, que reuniu delegados de 92 governos e 25 ONGs. Teve lugar em Salamanca, na Espanha, em junho de 1994, sob o patrocínio da UNESCO e do governo da Espanha. O Brasil não esteve presente, por questões burocráticas, internas do MEC.
Em Salamanca, foram reafirmados o direito a educação de cada indivíduo, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e as demandas resultantes da Conferência Mundial de Educação para Todos (1990). Também foram resgatadas as várias declarações das Nações Unidas que culminaram no documento que contém as regras padrões sobre a equalização de oportunidades para pessoas com deficiências, mencionadas anteriormente.
A Conferência propôs a adoção de Linhas de Ação em Educação Especial. O princípio orientador é o de que:

       “todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalizados.. No contexto destas Linhas de Ação o termo 'necessidades educacionais especiais' refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem... Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e têm, portanto, necessidades educativas especiais em algum momento de sua escolarização. As escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as que tem deficiências graves. (p.17 e 18)”...

Finalmente um documento divulgado internacionalmente e com a chancela da UNESCO, traz uma recomendação para o grupo de alunos que têm dificuldades de aprendizagem, citado como distinto dos portadores de deficiências, embora dificuldades de aprendizagem possam se manifestar em todos.
Debates sobre a universalização da educação, reforçada nesta Declaração, há um consenso emergente de que “crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devem ser incluídos em escolas comuns". Essa recomendação consensual levou ao conceito de escola inclusiva, cujo principal desafio é desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de educar a todas elas, inclusive aquelas que possuam desvantagens.
A proposta de que aos alunos que apresentam necessidades educativas especiais sejam oferecidos os mesmos arranjos educacionais a que tem acesso qualquer criança, e compatível com o princípio de normalização. Este termo não e sinônimo de tomar o deficiente "normal", mas sugestivo de condições de vida, tais como as proporcionadas para os ditos normais.
Outro ponto de relevo na Declaração e o do respeito às diferenças individuais, entendidas como características naturais dos seres humanos. Não se trata de usar as diferenças individuais como "desculpa" da desatenção da escola para com os alunos com necessidades educativas especiais. Nem, por fatalismo, aceitar que acentuada diferença de alguns justifica atribuir-lhes a responsabilidade de seus insucessos e, com isso, deixar de oferecer-lhes o atendimento educacional para suas necessidades.
As diferenças individuais, no âmbito da educação, o processo ensino-aprendizagem deve ser adaptado às necessidades da criança e não a criança se adaptar ao que se pensa, preconceituosamente, a respeito de sua aprendizagem. A proposta é de uma pedagogia centrada na criança, o que deve reduzir, consideravelmente, as taxas de desistência e de repetência escolar.

"Escolas centradas na criança são, além do mais, a base para a construção de uma sociedade centrada nas pessoas, que respeita tanto a diferença quanto a dignidade de todos os seres humanos. Uma mudança de perspectiva social e imperativa", (p.18).

Essa mudança de perspectiva social vem sendo conclamada por todos os educadores que tem denunciado o caráter elitista da escola que se proclama democrática. Como sempre, esta no discurso e, como sempre, vem sendo denunciada a defasagem entre a prática e o que se escreve e o que se faz, ou se desfaz. Nesse sentido, Gadotti (1995), alerta que:

“A democracia na Educação, quantitativa e qualitativamente, não pode ser um ato de pura 'recomendação', como pretendiam os teóricos da educação da década de 70. A educação, instrumento de paz e o resultado da luta, do movimento popular”, (p. 276). “(...) a ligação entre teoria e prática é fundamental na Educação”, (p.18).

A Declaração de Salamanca é, também, um reflexo das ideias de que a escola deve levar à emancipação do ser humano. Uma escola que entenda a educação como fato “social, político e cultural” em oposição a uma escola padronizada e reprodutora do “status quo”, na medida em que privilegiam uns poucos, em detrimento da maioria.
Novo conceito de escola e de educação especial. Neste último, o especial da educação traduz-se por meios para atender à diversidade, com propostas curriculares adaptadas a partir das que são adotadas pela educação comum. Tais meios fazem parte de um conjunto de medidas que se reúnem como respostas educativas da escola, compatíveis com as necessidades dos alunos.
O atendimento das mesmas exige, ainda, serviços de apoio integrados por docentes e técnicos qualificados. Uma escola aberta à diversidade, que respeite as diferenças individuais, bem como que estimule a produção de respostas criativas, divergentes, em oposição às estereotipias e a homogeneidade do sócio­-culturalmente entendido como normal. Tal perspectiva implica redefinição do papel da escola, mudança de atitude dos professores e comunidade.
A rentabilização dos recursos e outra perspectiva que a Declaração destaca, na medida em que os estudos e pesquisas oriundos da educação especial possam ser aproveitados pela educação regular e vice-versa.  A luta pela qualidade da educação e pela integração e uma luta pedagógica e social. A escola para todos (inclusiva), tem como princípio fundamental que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Trata-se de uma escola oniforme (Gadotti, 1995, p.277) e não uniforme, um espaço de convivência de diferentes e diferenças. Um espaço de apropriação do saber centrado na necessidade das crianças, buscando o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.
A Declaração de Salamanca contém, ainda, linhas de ação para a elaboração de planos nacionais de educação para todos, inspirados na vontade política e popular de cunho democrático. As referidas linhas de ação contemplam aspectos legislativos, políticos, educacionais, administrativos e financeiros. Ênfase é dada as estatísticas e à organização de uma base de dados, porque necessária a qualquer planejamento estratégico.
A localização na criança, e apenas nela, da responsabilidade pelo seu fracasso, foi criticada nesta Declaração, na medida em que a escola, os educadores e a comunidade também foram responsabilizados, pelo menos no discurso.
Na escola, os aspectos a serem revistos para o desenvolvimento de uma proposta inclusiva foram: currículos, espaços físicos sem barreiras, organização escolar, pedagogia que explore conteúdos significativos e os processos de avaliação do aprendizado do aluno e das "respostas educativas" que a escola oferece.
Em relação aos educadores, foi ressaltada a necessidade de reflexão acerca de sua formação e de sua desinformação no que diz respeito às necessidades educativas especiais de seus alunos.  Para as Universidades, consta a reivindicação de que assuma, efetivamente, o papel de centros de pesquisas de temas polêmicos como as dificuldades de aprendizagem e seu enfrentamento. Além deste, a efetiva ação da inclusão responsável, o imaginário social e as pessoas portadoras de deficiência.
Cabe-lhes, ainda, contribuir para a qualidade da formação dos futuros profissionais de qualquer área, pois se graduam sem se aprofundarem na temática das necessidades especiais e, consequentemente, na banalização dos problemas enfrentados pelos deficientes.
A comunidade também e citada como co-responsável pelo processo educativo, ao lado dos Ministérios da Educação, nos diversos países. O envolvimento da comunidade implica em sua conscientização para o que a mídia tem de papel decisivo, em prol da democratização da escola.
O desenvolvimento da educação sofre interferência nos níveis de desenvolvimento social, político e econômico dos países. Como o nosso e caracterizado por marcantes desigualdades regionais e instabilidades político­-econômicas de toda ordem, sofremos as consequências da "iniquidade na oferta de oportunidades sociais, associada à elevada concentração de renda e patrimônio que tem inibido o exercício da participação, fazendo emergir vários tipos de cidadania" (Brasil, MEC, 1993), pag. 77...
Série de complexas reflexões acerca do modelo de crescimento e desenvolvimento que foi adotado no Brasil; envolve a ideologia e toda uma cultura de economia inflacionaria a que estivemos sujeitos. Não podem ser impeditivas da adoção de estratégias para enfrentar o grave e perverso problema social de milhões de brasileiros que se encontram na condição de "cidadãos menores" (Demo, 1992), por não terem tido acesso e sucesso na escola fundamental.
Enquanto o acesso a educação for seletivo, tanto para o ingresso como para a permanência de milhares de alunos na escola, não poderemos falar em igualdade de oportunidades educacionais, nem em pleno exercício da cidadania.

Autores:
Rafaela Angeloni
Rodrigo Bastos
Thaminne Coutinho


TEXTOS BASE:
Maria Teresa Eglér Mantoan. Universidade Estadual de Campinas / Unicamp. Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas com Deficiência - LEPED/ FE/ Unicamp
EDLER CARVALHO, Rosita. A nova LDB e a Educação Especial. Rio de Janeiro: WVA, 1997. p.13 - 62


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